sábado, 12 de março de 2011

AMÁLIA, SENHORA DO MEU DESTINO

Com Joãozinho Ribeiro
Gente modesta, gente boa do subúrbio, que só comete distúrbio se alguém os menosprezar”         
Estes versos, da composição popular “Madureira Chorou” eram, repetidas vezes, recitados por meu pai; talvez retratando com sua sincera cumplicidade a condição humana da nossa família.
Mas, não é de meu pai, João Situba, caboclo arrancado das praias de Genipaúba para ser internado nos azulejos e ladeiras da Cidade de São Luís, nos idos dos anos 40 do século passado, que eu queria me reportar. Porém, de Amália, a Maria – amante e mulher – minha mãe, e de meus caros e estimados irmãos: Graça e Sebastião.
Exemplo de vida, que neste dia 08 de março, Dia Internacional das Mulheres, desejo homenagear, através de um simplório depoimento recolhido da gaveta das lembranças desta breve estação humana.
Década de 60: morávamos na 18 de Novembro, descendo o Canto da Fabril, antes do asfalto rasgar a “Quinta do Barão” e a geografia urbana arrancar dos meus cinco anos de idade as touceiras de agrião, que nasciam sem serem plantadas, regadas pelas águas da minha passageira infância.
Naquele tempo, éramos uma família como tantas outras da cidade, gente humilde, do subúrbio, da subsistência arrancada das peças de lona tecidas pelas mãos operárias de D. Amália, nos teares da Fábrica Santa Isabel. Seu João/meu pai vendia frutas na Feira do Galpão (onde encontra-se atualmente uma imponente caixa d’água da Caema) e trocava parte do apuro das vendas pelas doenças das mariposas da Rua 28.
Um episódio ainda hoje permanece projetado no território da minha memória. Meu pai acordava cedinho, todos os dias, às 4 da manhã, e ia armar a sua banca na Feira do Galpão, para assegurar o sustento das bocas famintas dos meninos (nós). D. Amália, encostada pelo IAPI – Instituto Nacional de Aposentadoria e Pensão dos Industriários – pela invalidez da vista, às 6 da matina, acordava os meninos, meus irmãos mais velhos, que eram logo despachados para a escola primária, enquanto eu lhe seguia os passos até a chegada na feira, onde construíamos, literalmente, a feira nossa de cada dia.
A essas alturas, meu pai já havia apurado alguns trocados com a venda de laranjas e bananas, e D. Amália saía, de banca em banca, pechinchando a aquisição de legumes, verduras, uns peixinhos ou carnes mais em conta para o almoço. Dentre outras personagens, podíamos destacar S. Cecílio, pai do extraordinário Canhoteiro, vendendo mingau de milho em sua barraca, bastante visitada.
Eu, menino maroto, maravilhado com o universo multicultural do mercado e com as canecas de mingau de milho, numa destas incursões, aproveitei a deixa para ir, disfarçadamente, surrupiando limões, tomates, quiabos e outros hortifrutigranjeiros, pensando estar contribuindo, decisivamente, para aliviar o orçamento doméstico.
Quando, ao final do feito, fui fazer o balanço do meu particular “apuro” para D. Amália, qual não foi a minha surra/surpresa: puxado pelas orelhas, de banca em banca, fui obrigado a pedir, humilhantemente, para cada feirante, desculpas pelo ato, e devolver o produto do pequeno delito que a minha inocência não conseguia compreender a real dimensão.
Somente as palavras da boca semi-analfabeta daquela senhora do meu destino permanecem, até hoje, engravidando meu juízo, e servindo de balizas para a formação do meu caráter: Devolve, moleque, porque somos pobres, mas lá em casa não estamos criando nenhum filho para se tornar um futuro marginal!”.
Lição de ética e honestidade, nunca consegui melhor em minha atribulada vida. Nem nos cursos universitários por onde passei (Engenharia, Economia e Direito), nem no convívio com diferentes grupos e organizações, públicas e privadas, por onde tenho compartilhado a minha singular existência.
Foi dos lábios sofridos de uma operária de fábrica, D. Amália, mãe e mulher maranhense, de onde brotaram estas palavras que até hoje servem de bússola para orientar as intenções e gestos deste poeta, que neste artigo dedica a todas as mulheres da vida, da cidade e do mundo, este exemplo de decência e dignidade humana.

Como Poeta e Compositor

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