domingo, 9 de agosto de 2009

O SEGUNDO IRMÃO



Com Luiz Pedro(*)

No mês passado, o sempre surpreendente secretário de Saúde do Estado, deputado licenciado Ricardo Murad conseguiu surpreender uma vez mais ao divulgar um documento intitulado Secretaria de Saúde abre caixa-preta do SUS e mostra por que a saúde no Maranhão vinha de mal a pior, no qual acusa os dois últimos governos (Jackson Lago e José Reinaldo) de fazer “a manipulação política na distribuição dos recursos destinados à assistência médica da população”.

Para tentar comprovar suas afirmações, o secretário lista município a município do Maranhão, expondo os recursos mensais que cada um recebe para o atendimento das ações de média e alta complexidade. Nessa listagem, ele coteja a população do município com os recursos que lhe é repassado para o atendimento (repita-se) das ações de média e alta complexidade.

Numa escala decrescente, revela-se que São Luís (o município mais bem aquinhoado), com população estimada de 986.826 habitantes, embolsa mais de R$ 14,4 milhões mensais, enquanto, na outra ponta, Paulino Neves, o município que menos aufere recursos, conta com repasses de apenas R$ 180,39, para o atendimento de sua população de estimados 13.195 habitantes.

Conclusão de Ricardo Murad: “Os dois governos desprezaram os critérios técnicos e repartiram o dinheiro de acordo com interesses eleitoreiros, criando um quadro de desigualdade e de desequilíbrio, acima de tudo injusto, na medida em que municípios importantes e populosos foram penalizados. Municípios pequenos, sem peso eleitoral, foram simplesmente desprezados, deixados à míngua”.

A segunda tese (municípios pequenos, sem peso eleitoral, etc) estaria bem demonstrada com a comparação entre São Luís e Paulino Neves. A primeira (municípios importantes e populosos foram penalizados) se comprovaria com a comparação entre Caxias e Timon feita pelo secretário de Saúde. Nas palavras dele: “Caxias, do prefeito Humberto Coutinho (PDT) recebia R$ 2,453 milhões contra R$ 1,364 milhão de Timon, administrado pela prefeita Socorro Waquim (PMDB) – mais de R$ 1 milhão a mais. Caxias tem 147.416 moradores e Timon, 148.804 habitantes”.

Surpreendentemente, pouquíssimas vozes se levantaram para denunciar a fraude que Ricardo Murad está praticando.
Não existe caixa-preta, não existe manipulação política, não existem municípios penalizados ou desprezados. Tudo o que é feito em termos de média e alta complexidade é perfeitamente explicável, é resultado de pactuação entre os municípios e as outras esferas de governo envolvidas no financiamento das ações de média e alta complexidade.

Para se compreender todas essas questões, vamos começar do começo. O secretário fala em “caixa preta do SUS”. O SUS – Sistema Único de Saúde – surgiu na Assembléia Constituinte eleita em 1986 e se tornou realidade na Constituição Cidadã de 1988. Os artigos que tratam da Saúde no texto constitucional foram uma conquista dos movimentos popular, sindical e da Saúde, que, mesmo antes da convocação da Constituinte, vinham lutando pela universalização da saúde no Brasil, uma vez que, até então, o Estado nacional só garantia o atendimento aos trabalhadores com carteira assinada, uma minoria entre os cidadãos brasileiros.

A nova Constituição estabeleceu que a Saúde “é direito de todos e dever do Estado”, garantindo o “acesso universal e igualitário às ações e serviços de saúde” (art. 196). No artigo 198, a Carta Magna estabelece que as “ações e serviços públicos de saúde integram uma rede regionalizada e hierarquizada e constituem um sistema único”. Esse sistema é organizado com as seguintes diretrizes: descentralização, com direção única em cada esfera de governo; atendimento integral; e, participação da comunidade.
O secretário, portanto, mente quando afirma existir caixa-preta no SUS, manipulação política dos governos anteriores e municípios penalizados ou desprezados.

Mais ainda: a Constituição determina que “Lei complementar, que será reavaliada pelo menos a cada cinco anos, estabelecerá os critérios de rateio dos recursos da União vinculados à saúde destinados aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios, e dos Estados destinados a seus respectivos Municípios, objetivando a progressiva redução das disparidades regionais”, estabelecendo, ainda as normas de fiscalização, avaliação e controle das despesas com saúde nas esferas federal, estadual, distrital e municipal.

Ou seja: todo o rateio de recursos segue critérios estabelecidos constitucionalmente e esses critérios são fiscalizados, avaliados e controlados. Qualquer gestor sabe disso e, por isso é tão impressionante que pouquíssimas vozes tenham se levantado para denunciar as mentiras do secretário de Saúde.

Então, como se explicar a disparidade de recursos entre São Luís e Paulino Neves ou, ainda, entre Timon e Caxias? É perfeitamente explicável. Tudo isso decorre da lógica do sistema e da hierarquização da rede do SUS. Esclareço: a remuneração das ações de média e alta complexidade não se baseia na demanda dos serviços (ou seja, se o município tem população X não significa que ele seja remunerado por essa população), mas pela capacidade instalada no município (equipamentos e pessoal efetivamente operando). A hierarquização da rede decorre da regionalização que estabelece que, no Maranhão, existem três macrorregiões, 25 microrregiões e 138 módulos assistenciais.
Caxias é cabeça de uma macrorregião, o mesmo acontecendo com São Luís e Imperatriz. A capacidade instalada nesses municípios é maior que nos demais, tendo, portanto, maiores responsabilidades no atendimento de populações que extrapolam a de seus próprios territórios.

O estabelecimento dessa hierarquia não se deu de maneira fortuita ou por critério político. Foi através de discussões envolvendo órgãos colegiados que foram se formando no decorrer da construção do Sistema Único de Saúde, como as Comissões Bipartites, Comissões Tripartites e Cosems (Conselhos de Secretários Municipais de Saúde).

O secretário de Saúde Ricardo Murad sabe ou deveria saber tudo isso. Se sabe, está cometendo um crime ao desorganizar um sistema do qual dependem milhões de maranhenses e que afeta a saúde e a vida de milhares de pessoas. Se não sabe (e deveria saber), o crime é da governadora do Estado, a ilegítima Roseana Sarney, que colocou à frente da Secretaria de Saúde quem não está preparado para o cargo.

Em 2002, quando de sua administração anterior, Roseana Sarney deixou de ser candidata à Presidência da República pela ação do primeiro irmão Murad, o Jorge, seu marido. O episódio Lunus, do qual ele foi a principal personagem, sepultou de uma vez por todas o sonho da então governadora de disputar o cargo de presidente.
Desta vez, o perigo é o segundo irmão.
(*) Luiz Pedro é jornalista, ex-deputado estadual e foi secretário-chefe de gabinete do governador na administração Jackson Lago

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