sábado, 1 de agosto de 2009

1951 E 2009 - A HISTORIA DOS LEGÍTIMOS

REENCONTRO COM A HISTÓRIA - A GREVE DE 1951

Por José Salim

Recentemente o TSE (Tribunal Superior Eleitoral) de ação destinada a anular a diplomação de governador e vice-governador atribuída, respectivamente, aos senhores Jackson Kepler Lago e Luis Carlos Porto. O processo foi desfavorável aos dois, que já estavam na posse do poder há dois anos, três meses e 17 dias.
Foi a segunda vez, em quase 60 anos, que a Corte frustrou a expectativa dos eleitores maranhenses em relação ao cargo majoritário do Estado (Poder Executivo) disputado nas urnas.
A primeira, em 1951, gerou uma greve batizada com o nome do ano em que ocorreu, parando São Luis (então o principal centro econômico-financeiro do Estado) e levou o Maranhão às armas. Mas nada comparado à Balaiada.
Nas eleições gerais (majoritárias e proporcionais) de 3 de outubro de 1950 disputaram o Governo do Maranhão os empresários Eugênio de Barros (Renato Archer como vice) e Saturnino Satu Belo (vice Antenor Abreu). O primeiro representava o vitorinismo (coronelismo liderado pelo pernambucano Vitorino Freire, então oligarca reinante desde os anos 30, mas recém-vindo de um período de recesso durante a ditadura de 1939-1945); o segundo as Oposições Coligadas, embora ex-integrante das forças do mandonismo, ou talvez por isso.
O candidato da situação concorreu pelo Partido Social Trabalhista, organizado e comandado por Freire (então senador). Satu foi apoiado pelos partidos PSD, UDN, PTB, PR, PL e PRP. Em tempo de “prenhez de urnas”2 pelos poderosos, surpreendeu a votação alcançada pelo opositor. E na apuração, pelo “cantar” dos votos, tudo indicava que as oposições ganhariam o pleito. Mas o Tribunal Regional Eleitoral (TRE) contrariou esta expectativa.
A contagem na capital, São Luís, o principal colégio eleitoral, marcada pela anulação de votos e urnas, estabeleceu diferença pró-Barros de cerca de seis mil votos. A vantagem, de acordo com a legislação eleitoral em vigor, obrigava a uma eleição suplementar, de cujo resultado dependeria a diplomação do eleito. Mas o inesperado faria uma surpresa das mais indigestas para a história política maranhense. Em meio à discussão político-jurídica para a suplementar morreu Satu Belo (16 de janeiro de 1951).

Manobras - O TRE, com a morte de Belo, desconsiderou a necessidade de promover a suplementar (a lei eleitoral era omissa em relação ao novo quadro) e decidiu pela diplomação de Barros. Líderes das Oposições Coligadas, contrariados, recorreram ao TRE, ao Tribunal de Justiça e ao TSE contra a decisão. Os recursos ao TSE tiveram o envio retardado pelo correspondente estadual, estratégia que beneficiava Barros face ao prazo para diplomação e posse fixado na Constituição do Estado.Marcada em princípio para 28 de fevereiro de 1951, a posse ganhara nova data por acordo entre as partes, firmado à revelia de Barros. Quando este conheceu da negociação vetou-a e recomendou ao seu partido - PST - requerer ao TSE força federal para assegurar-lhe a posse. O ministro da Guerra, general Estilac Leal, foi comunicado da decisão judicial favorável e a retransmitiu ao comandante da Guarnição Federal e do 24° BC (Batalhão de Caçadores) em São Luís, tenente-coronel Anacleto Tavares da Silva.

“Paralelo 38” – Instalou-se o Quartel-General das Oposições Coligadas (resistência à posse) no Largo do Carmo3. Da residência da vereadora Maria de Lourdes Machado4 (PR) os líderes oposicionistas Antenor Abreu (vice na chapa de Satu), Genésio Rego (PSD), Djalma Marques (PTB), Luís Cortês Vieira da Silva (PSP), Manoel Tavares da Neves (PR), Jurandir Braúna (UDN) e Waldemar da Silva Carvalho (PL) comandaram o movimento. Em nota ao povo do Maranhão prometeram continuar na luta contra a posse, apesar da morte de Satu Belo5.A multidão se concentrou no largo e as autoridades militares fixaram o “Paralelo 38”6que separava o povo dos prédios públicos nos quais os atos oficiais aconteceriam. Às 10h de 28 de fevereiro de 1951 Eugenio Barros tomou posse como governador em cerimonia presidida pelo desembargador Costa Fernandes. Depois, recebeu o cargo do desembargador Trayahu Moreira, que assumira interinamente a 31 de janeiro, na qualidade de segundo na ordem de sucessão7. Antes, num cabograma ao presidente da República, Getúlio Vargas, Barros prometera “dar solução divergências regionais”.

Rebelião – Simultânea à posse instalou-se a revolta popular contra o ato. Numa primeira fase. Os revoltosos invadiram os estúdios da Rádio Timbira8, impedindo a transmissão da posse. Incendiaram as oficinas do Diário de São Luís (jornal que apoiava o governo). Enfrentaram tropas da Polícia Militar, de cujo confronto resultou um morto: José Ribamar Prado, operário de 17 anos, transformado em símbolo da resistência popular.
Os líderes oposicionistas insistiram na manutenção do clima de revolta para forçar uma intervenção federal no Estado. Decisão descartada pelo presidente da República. Os revoltosos assaltaram as casas de membros do TRE, que tiveram móveis, utensílios e roupas destroçados e incendiados na via pública. Paralelamente desenrolou-se uma batalha judiciária, com sucessivas manobras no Tribunal de Justiça para invalidar a posse de Barros e fazer assumir um desembargador-presidente. Também não vingou.
A paz – temporária – só veio com a auto-convocação antecipada9 da Assembléia Legislativa recém-eleita, a eleição do deputado César Alexandre Aboud como presidente do Poder Legislativo e sua conseqüente assunção ao cargo de governador, face à licença Eugênio Barros. A aceitação do acordo aconteceu após reuniões com políticos e sindicalistas que se encarregaram de levar a massa a acatar a negociação. Isto ocorreu em meados de março. Já então o TSE recebera os recursos das Oposições Coligadas e preparava-se para julgá-los. O que só ocorreria seis meses depois.

Novas escaramuças – O mandato interino de César Aboud foi exercido de março a setembro, com a cidade vivendo relativo clima de normalidade. Para a paz temporária contribuiu o auxilio da força federal ao sistema de segurança pública, constituído pela Polícia Judiciária e pela Polícia Militar. No período transcorreu a licença do governador Eugenio Barros, originalmente de 60 dias, depois prorrogada para 180 dias. Até o julgamento no TSE.
No dia 3 de setembro de 1951 reuniu-se o pleno do TSE para apreciar e julgar três recursos interpostos por PTB, PR e a aliança de partidos Oposições Coligadas. Recorrido o PST. Neles pedia-se cassação do diploma e anulação total das eleições no Maranhão (esta parte posteriormente desistida). Importante liderança oposicionista, o presidente em exercício da AL, deputado Fernando Viana (PSD), assim se expressou sobre a expectativa para o julgamento:
“Não acredito na possibilidade de um movimento subversivo com o retorno do sr. Eugenio Barros ao Governo do Estado, porque, desta vez, desapareceram todos os motivos que originaram a revolução branca de março último. A rebelião do povo maranhense teve como causa a presunção de um mandato ilegítimo, isto é, de que Eugenio Barros fora beneficiado por um Tribunal inidôneo, composto de juízes suspeitos e venais. Desde que essa suspeita não pode recair sobre os juízes do Tribunal Superior Eleitoral, cumpre às Oposições Coligadas do Maranhão acatar a decisão da instância superior seja ela qual for”.
Pelas Oposições Coligadas fizeram a defesa oral do processo os advogados Clodomir Cardoso e José Maria Carvalho. O governador Eugenio Barros foi representado pelo advogado e ministro aposentado Francisco Antunes Maciel. Na relatoria atuou o ministro Sampaio Costa. Negou provimento aos recursos das Oposições Coligadas, no que foi acompanhado por todos os ministros. Ganhou, pois, Eugênio Barros por unanimidade.
O general Lino Machado, que insinuara serem “balaios”10 os resistentes da rebelião de 51, comentou: “É decepcionado que deixo o tribunal, onde se acaba de praticar o maior atentado dos últimos tempos contra a vontade popular. O tribunal funcionou com a ideia antecipada de encontrar no fator morte a vitória do candidato remanescente do pleito de 3 de outubro passado. Eis porque, político que sou, não vacilo em declarar que o voto secreto e a Justiça Eleitoral agiram de tal maneira, que nos levaram a ter saudade da Comissão de Reconhecimento dos Poderes, no velho Congresso da República, que se foi”.

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1) Título do livro que reúne o conjunto de reportagens sobre o movimento publicadas aos domingos, na segunda metade do século passado, no jornal O Estado do Maranhão
2) Processo fraudulento de enchimento das urnas com votos para garantir vitória aos agregados ao poder dominante
3) Espaço em frente à Igreja do Carmo consagrada à Nossa Senhora desse denominação margeado por sobradões históricos habitados por famílias tradicionais
4) Líder da escassa militância política feminina da época; mãe do poeta Nauro Machado
5) Saturnino Belo rebelou-se contra o vitorinismo; sua morte foi atribuída às pressões durante a apuração
6) Alusão à Guerra da Coreia, ocorrendo na época, que acabou dividindo o país em dois; no caso de São Luis impedia o acesso de quem estava no Largo do Carmo à Praça Pedro II (ex-avenida Maranhense), onde se situavam as sedes dos Poderes Executivos (Estado e Prefeitura) e Judiciário.
7) O desembargador teve sua eleição para a chefia do Poder Judiciário contestada e foi centro de uma batalha judiciária de pares que pretendiam apear-lhe do cargo. Não conseguiram.
8) Era a emissora oficial do Estado, atualmente arruinada e fora do ar, embora detenha a licença de transmissão
9) A legislatura eleita em outubro só se instalaria em maio de 1951; teve sua convocação antecipada em dois meses para por fim à crise. Apenas parcialmente.
10) Os “balaios” da Balaiada (movimento rebelde contra a dominação portuguesa no norte do Brasil no século XIX) foram simbolicamente comparados aos resistentes contemporâneos. Mas só simbolicamente.

Bibliografia

– “A greve de 51 – Os trinta e quatro dias que abalaram São Luís” – Benedito Buzar.
- “O pilão da madrugada” – Neiva Moreira (um depoimento a José Louzeiro)

Postado no Blog do Mhário Lincoln do Brasil

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