sexta-feira, 8 de julho de 2011

VAMOS COM EDUARDO REIS - LÁ VAI MEU BOI....

Com Eduardo Reis

Pensem comigo, se eu fizesse uma montagem do Lago dos Cisnes com castanholas, seria o mesmo ballet?

Acredito que não; na verdade a arte tem essa liberdade poética de a partir de, transformar, criando um novo estado, que nem sempre atinge a graça e a magia da sua gênese, entretanto o que eu vi ao longo desse São João é algo que me leva a crer que, a necessidade desenfreada pelo diferente, a ânsia pelo novo, criou alguns momentos não muito agradáveis desvirtuando categoricamente o auto do bumba-meu-boi.

Não sou um especialista do folclore, academicamente falando, mas cresci ninado pelas toadas e assim como tantos que agora leem esse texto sei que o auto apresenta códigos e signos específicos que o caracterizam e o potencializam fazendo você perceber a beleza ainda do Boi de Leonardo por exemplo, embora tenha escutado casualmente durante a sua apresentação, em um arraial sofisticado da Ilha, um maranhense eufórico explicando a um possível parente turista seu: “esse aqui é legal mas tem um mais bonito de orquestra”. Ou seja, o nosso sentido de beleza está ligado diretamente ao nosso gostar, estando esse intrinsecamente relacionado aos nossos parâmetros de valores facilmente manipulados e influenciados por uma comoção frenética do que comumente todos acham belo, sem a consciência da sua essência.

É claro que o hoje não é igual ao ontem mas daí você colocar luzes nas cabeças das índias, que significam as guerreiras da floresta e fazê-las segurarem lanças de neon e não de madeiras como era de se esperar, enquanto uma estranha figura vestida de vaca dança ao lado de uma cabocla de pena com um enorme e descomunal chapéu, tudo isso em um boi de orquestra (Boi Novilho Branco) é algo que exige, no mínimo, uma reflexão. Ano passado tinha um boi onde as índias usavam leque.

Nos meados dos anos 80 quando surgiu o Boizinho Barrica, foi aquela confusão entre todos, pois estava nascendo um “novo boi” , que trazia um boi tão pequenininho, tão estranho causando polêmicas. Com o tempo, os seus idealizadores foram, acredito, se entendendo entre se, amadurecendo essa ideia, e quando se assiste hoje a sua apresentação é de um prazer enorme: trata-se de uma Companhia, na maioria dançada, cantada e tocada, por artistas locais profissionais, bailarinos, cantores e músicos, que com maestria bailam pelos ritmos maranhenses, tendo ao fundo a figura do boi na poesia encantadora de Godão. Aqui abro um parêntese para parabenizar o Cacuriá de Dona Teté, que conseguiu avançar da sexualidade impensada do início a uma sensualidade jocosa onde seus participantes sorriem o tempo todo em reverência a uma das grande damas do nosso folclore.

Não quero levantar uma bandeira e gritar que o boi genuíno é o de zabumba, matraca, pandeirão e perseguir os de orquestra mas é que ao longo dos anos eles, os de orquestra, se tornaram digamos mais apreciados e talvez isso tenha levado, os seus responsáveis, a viajarem um pouco mais e desnecessariamente, e também digamos de uma forma irresponsável com a nossa cultura.

O que dizer da beleza do Boi de Nina Rodrigues, que este ano homenageia as mulheres enquanto uma dançarina toda de branco no começo da apresentação, desenvolve passos como uma coreira de tambor de crioula seguida pelos demais integrantes com as suas vestimentas específicas de bumba-meu-boi? Seria necessário? Ou apenas uma intenção perdida no tempo e no espaço (minhas considerações a Concita Braga, sempre feliz na meia-ponta), bem diferente do Boi de Axixá, que mantendo uma tradição e com uma indumentária completamente nova, atual e linda faz uma homenagem as mulheres representadas no couro do boi, o que redimensiona essa força extrafísica do auto: em sonho algumas bordadeiras “recebem” o couro que deve ser bordado.

E o tão querido e esperado Boi de Morros! Lobato,com a sua licença, mais uma vez nos leva a um confuso passeio com a sua teatralização mal feita e principalmente mal ensaiada pelos seus brincantes, além é claro daquele anacrônico jogo de capoeira. Entre não fracos e oprimidos, ele deveria colocar os índios apenas formando uma belo e excitante paredão, imóvel, já que a seleção dos mesmos me parece obedecer a critérios mais estéticos do que artísticos e vê-los, embora alguns se esforcem, dançarem algo que não sabem de verdade e não conseguem também de verdade, não é muito simpático.

Não falarei aqui do Boi Pirilampo, me nego; já que digo e repito Pirilampo não é para se ver e sim para se ouvir... Puxa! Nada tem harmonia, as cores, as formas, exceto a música... Enquanto o Boi Brilho da Ilha mais uma vez nos contagia com a sua simplicidade e leveza embora não consiga entender o que significa aquela caruagem da Catirina, a Catirina representa o lado pobre, fraco e oprimido da história, o desejo proibido, negado, roubado, onde fica incompreensível o uso de uma carruagem, seria talvez uma carroça bem estilizada? E por falar em Catirina, é oportuno resgatar aqui a figura do homem que tradicionalmente representa a Catirina mas que nada tem a ver com a sua opção sexual, mas nesse ponto talvez seja necessário um texto específico só para abordar esse aspecto, na saudade da majestosa representação do nosso grande ator Urias de Oliveira, a Catirina do espetáculo Catirina.

Apesar de eu ter saído bastante durante esse período junino, muitas brincadeiras não consegui acompanhar como o Boi de Rosário, São Bento, Presidente Juscelino, o Boi de Sonhos, o grande batalhão de Ribamar, Madre Deus, queria ter visto aquele boi que tem figuras do mar, embora o ache estranho, mas me deliciei também com o de Santa Fé, Boi do Oriente, o duelo gostoso entre Maioba x Maracanã, o Boi da Lua, uma mata vibrante!

Deixo aqui as minhas saudações a todos os brincantes que em uma noite, e olha que foram várias, tiveram 01, 02 ou até mais de 05 apresentações e estavam em todas, alegres e dispostos; claro que isso por se só já é válido, pela força, disposição e dedicação dos mesmos, apesar das minhas colocações acima, até porque assim se mantem a fogueira acessa.

Espero que tenha em parte atingido o meu objetivo nessas poucas linhas que era fazer com que entendamos que o boi hoje apesar de não mais dançar no terreiro de terra batida, não se pode perder a fé e o repeito as suas origens, e já que o mesmo se transformou em um produto, as brincadeiras de bumba-meu-boi atualmente são pagas para se apresentarem, é bom, necessário e urgente que façamos as nossas considerações na relação direta de quem produz e de quem recebe esse produto.

O auto do boi em seu contexto já é um grande, único e magnífico espetáculo e a sua releitura requer então um cuidado e uma dedicação mais acentuada onde os interesses pessoais não podem e não devem ser maiores que o da cultura, que é construída e reconstruída a partir dos anseios, sonhos e/ou decepções do povo.

Que Santo Antônio, São João, com o seu carneirinho, São Pedro, que ele leve em sua barca as nossas angústias e nossos medos mais íntimos e São Marçal (o João Paulo é muito bom!), nos abençoem!

Como ator, arte-educador e um cidadão que adora bumba-meu-boi: Boi Brilho da Ilha, Axixá, Maioba, Maracanã, Morros, Nina Rodrigues, Pindoba, Leonardo, enfim... Viva a cultura popular!

Nenhum comentário: