Com Davi Telles
É bem compreensível a reação de muitos maranhenses progressistas nesse momento: aqueles que filosoficamente (para usar o preciso conceito de esquerda moderna de Bobbio) sempre se situaram no hemisfério da luta pela igualdade entre as pessoas; os conterrâneos historicamente identificados com a causa dos oprimidos, dos injustiçados e das minorias desde sempre.
Qual é esta reação diferente?
A escolha de um expressivo contingente de pessoas com alma de esquerda – nos termos reproduzidos acima – de votar em Serra neste segundo turno. Reação a exatamente o quê, pergunta-se.
Ora, a duas graves atitudes tidas por Lula e o PT Nacional.
Primeiro, a intervenção antidemocrática no Diretório Regional do Partido dos Trabalhadores, que havia escolhido soberanamente apoiar a candidatura de um militante histórico das causas progressistas com clara perspectiva de eleição, como vimos ao final. Como todos sabem, apesar da derrota, no voto, da tese de adesão à candidatura Roseana Sarney, a Direção Nacional do PT achou por bem forçar a seccional maranhense do partido a apoiar a filha do Coronel Ribamar.
Em segundo lugar, a aderência entusiasmada – com direito a entrevista em Brasília com afago nas mãos – de Lula e Dilma à candidata da oligarquia. Aliás, apoio que se estendeu aos dois candidatos ao Senado da chapa, cujas concepções políticas são as mais direitistas e retrógradas possíveis.
Por isso tudo, tenho encarado com compreensão alguns depoimentos de amigos que me confessam não ter coragem de votar em quem se prestou a agir de tal sorte. O problema, dizem, é que Lula teria trocado o sucesso do Brasil pela desgraça do Maranhão. Segundo os adeptos da teoria, por viverem aqui, devem votar com a cabeça e o coração voltados para cá.
Nesse ponto é que insisto em lhes indagar se não seria melhor votar muito mais com a cabeça do que com o coração neste momento. Explique-se.
É, por acaso, crível haver algum governo do qual não faça parte Sarney? Por óbvio, não. Sarney se alimenta do poder, e, por isso, num possível governo do PSDB, retornará ao convívio tucano. Afinal, o tucanato e o sarneísmo são expressões políticas de um mesmo ente maior, a direita tradicional contrária à igualdade.
Ao ouvir isto, meus amigos recentemente “atucanados” me respondem: “Sarney pode até aderir ao Governo tucano, mas não terá hegemonia como tem no Governo Lula.
Eu, mais que depressa, demonstro minha concordância. Acho que Lula foi muito além de um acordo político e ofereceu ao grupo do oligarca uma hegemonia, para além da instrumentalidade estrutural dos Ministérios. Deu-lhe força subjetiva – no sentido de tê-lo transformado num de seus mais recorrentes interlocutores para assuntos políticos.
Digo mais, Lula o ressuscitou politicamente ao fazê-lo Presidente do Senado nas duas últimas vezes. A razão é simples: Sarney, apesar de ser um clássico homem de direita, não topa ficar distante do Poder Central, ainda que neste vigore um direcionamento de centro-esquerda. Neste sentido, foi o membro da direita tradicional mais fácil de ser atraído.
Como pensa Lula? Se Collor, um autêntico representante das elites, tombou ante ao desprezo às alianças no Congresso, por que um sindicalista resistiria se não atraísse parte da direita para a aliança? Em nossa opinião, foi longe demais, em que pese a exuberância das conquistas sociais obtidas.
Para fazê-los pensar sobre isto, não poderia deixar de dar-lhes razão quanto a todos esses elementos inegáveis. No entanto, digo aos amigos neoserristas, o Maranhão está contido no Brasil, e, por isso, ainda que submetido a uma lógica atrasada de mando regional, como é o sarneísmo, sente reverberadas as conquistas asseguradas em âmbito nacional.
O ideal, está claro, seria a compatibilidade de concepções de políticas públicas entre os governos local e federal, o que ocorreria com a eleição de Flávio Dino, no entanto, as pressões de Sarney se tornaram insustentáveis, sob pena de um grave rompimento da frágil aliança com o PMDB. Veio, então, a intervenção, e a contradição entre concepção política e social pode ter se tornado, à primeira vista, discrepante. Mas podem existir razões maranhenses que autorizem o voto em Dilma dos decepcionados com o PT e Lula.
A escolha de Lula em topar o aprofundamento da algazarra política brasileira (com a definição do PMDB como aliado preferencial) em nome das conquistas sociais somente poderá ser julgada com rigor científico daqui a algumas décadas, no entanto, as razões locais podem fazer com que aqueles amigos neotucanos mudem de ideia.
Partindo do pressuposto de que eu e os amigos desejamos a consagração de um mesmo modelo de Estado evoluído – para ser claro, o Estado Social Constitucional dos Direitos Fundamentais -, os elementos da política local não nos autorizam a votar em Serra, por mais decepção que exista.
Com Serra, corremos o grave risco de retornar a um modelo atrasadíssimo de Estado, que remonta ao fim do século XVIII, o Estado Liberal, onde os indivíduos mais fragilizados socialmente não merecem atenção e proteção diferenciada do Estado. Com efeito, o modelo onde o Estado não deve elaborar políticas públicas que compensem a desigualdade material entre as pessoas. Enfim, o Estado do “cada um por si”.
Em verdade, um modelo liberal distorcido, pois neste novo, o “neoliberalismo”, a interferência do Estado para favorecer as classes mais abastadas é tolerada.
Assim, o Maranhão, já tão pobre, sofreria as conseqüências mais rapidamente desse retorno ao modelo, que, entre outras características, aprofunda as desigualdades regionais.
Mas existe outro ponto eminentemente político. Com o retorno do tucanato ao Poder Federal, nossa única esperança clara de mudança seria prejudicada– por mais que se pense o contrário. Trata-se de Flávio Dino, detentor de quase 30% dos votos nas últimas eleições para governador.
Pior do que isso, os novos intermediários da reaproximação do sarneísmo ao PSDB federal seriam exatamente os tucanos maranhenses historicamente ligados a Sarney – hoje distantes por razões circunstanciais. Em verdade, hoje com uma distância muito mais aparente do que real. Vide a eleição para o Senado e a ausência de autoridades tucanas na campanha de Jackson Lago.
Como membro do PC do B
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