Com Joãozinho Ribeiro
Alguns dizem que é a última que morre; os pessimistas, que ainda assim morre também. Outros a carregam para todo o sempre. O certo é que, desde os primórdios do mundo até os dias atuais, ela permanece fazendo com que um contingente cada vez mais expressivo de seres humanos seja movido pela chama das suas possibilidades.
Homens e mulheres, em diferentes partes do Planeta, em momentos dificílimos e em circunstâncias diversas, tem-se agarrado, com todas as forças, na perspectiva de melhoria das condições, muitas vezes degradantes, de vivências e sobrevivências. Homens da estirpe de D. Paulo Evaristo Arns que, no último 14 de setembro, completou noventa anos de fé em Deus e na espécie humana, pregando a seguinte expressão: ESPERANÇA, SEMPRE!
O exemplo de uma vida dedicada à causa dos oprimidos e excluídos da nossa sociedade fez e faz dele uma referência de pessoa sempre esperançosa, porém disposta ao enfrentamento e ao sacrifício pessoal, na luta intransigente pela defesa da dignidade humana. Com certeza, com suas destemidas ações e testemunhos de fé, foi um dos principais responsáveis em encurtar a vida da ditadura militar, que por cerca de vinte longos anos (1964–1985) tanto infelicitou a nação brasileira.
Lembro dos anos de chumbo, quando em audiência no Palácio do Planalto, recebido pelo general-presidente, Emílio Garrastazu Médici, responsável por um dos períodos mais brutais e sangrentos do regime militar, D. Paulo cobrou o desaparecimento de 22 pessoas, cujo paradeiro as famílias até então não tinham sequer as mais remotas informações. Um murro violento na mesa foi o gesto incontinenti do ditador militar, seguido pela sugestão de que o arcebispo cuidasse dos negócios da Igreja, que dos negócios do Estado cuidava ele próprio.
D. Paulo Evaristo Arns foi e continua sendo um exemplar humano da esperança em pessoa. Hoje, vivendo numa chácara no interior de São Paulo (na cidade de Taubaté, se não me engano), afastou-se da cena militante, mas prossegue no seu retiro voluntário ligado às coisas e às grandes causas humanitárias, mergulhado na leitura diária de textos religiosos e filosóficos, escritos em vários idiomas, numa vida recatada e desprovida de qualquer luxo.
Seu nome, com toda a certeza, já integra as páginas de uma Nova História da Sociedade Brasileira, a ser contada para a presente e futuras gerações, a partir de um sentimento de fraternidade e solidariedade, hoje incapaz de permear a cena política do cotidiano do nosso País. Talvez por isso a preferência de D. Paulo Evaristo Arns pelo retiro voluntário desta cena e a recusa em comparecer a todas as solenidades e celebrações oficiais marcadas para comemorar os noventa anos de sua santa existência.
Nada disso poderá apagar de nossas memórias a sua retumbante atuação e o apoio irrestrito aos perseguidos políticos e a sua luta pela liberdade de expressão e manifestação, como no caso das grandes greves operárias do ABC paulista, em plena ditadura militar, no final dos anos 70. Momento em que apoiou com palavras e gestos decididos o movimento dos trabalhadores, cuja liderança maior que despontava seria o futuro presidente do Brasil, o então metalúrgico, Luiz Inácio Lula da Silva.
Não foi diferente com a campanha das Diretas Já, desencadeada em 1984, nem com a coordenação e a organização do livro “Brasil, Nunca Mais”, até hoje um marco na catalogação e denúncia dos crimes, das torturas e assassinatos dos presos e perseguidos políticos no País.
A instalação da Comissão da Verdade, em nível nacional e em todos os Estados da Federação, não pode, de modo algum, ignorar o papel pioneiro que teve D. Paulo Evaristo Arns na busca e levantamento dos fragmentos de nossa história que, a bem da verdade, são histórias de pessoas, de centenas de famílias enlutadas.
Parabéns, D. Paulo!
Esperança, sempre!
Como Poeta e Compositor
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