domingo, 17 de janeiro de 2010

VAMOS COM O JOÃO - SER HUMANO É TER DIREITOS!

Com Joãozinho Ribeiro

“nenhum acordo decente pode ser feito à custa da dignidade humana”
(Fábio Konder Comparato)


Preparava-me para me debruçar sobre a elaboração de um artigo sobre Direitos Humanos, nesta manhã ensolarada e solitária de Brasília, após uma sessão de leitura matinal de jornais e revistas, quando os meus olhos se depararam com a resenha do livro do companheiro do Ministério da Cultura, Célio Turino, lançado recentemente, “Ponto de Cultura: O Brasil de Baixo para Cima”, oriunda da lavra do poeta Hamilton Faria.

Encravada na última página do Le Monde Diplomatique Brasil, edição de janeiro de 2010, sob o título “A Poética de um Brasil Des-Silenciado”, encharcou meu domingo de alegria e de uma indomável esperança nas lições de humanismo que a sua alma sensível sempre foi capaz de compartilhar com as pessoas, através de valores fincados no desenvolvimento humano, pródiga de generosidade, invocando a cultura da paz e o reencantamento do mundo.

Nos últimos tempos, tenho revisitado insistentemente o legado de ensinamentos deixados pelas inovadoras gestões culturais implementadas no país, e a gestão do ministro Gilberto Gil cabe como exemplo concreto de algo que talvez só consiga ser plenamente compreendida e assimilada por pesquisadores e militantes culturais daqui a alguns anos. Imbuído deste espírito de compartilhamento e cumplicidade cultural repasso aos leitores desta coluna, na íntegra, a primorosa resenha elaborada pelo poeta Hamilton Faria sobre o livro do Célio:

“Quando o ministro Gil, em seu discurso de posse, afirmou que a cultura precisava mudar e que era necessário massagear os pontos vitais do país, operando um verdadeiro Do-in antropológico, sabia que essa não seria uma tarefa fácil, mas não imaginava a riqueza conceitual, teórica, de políticas públicas e de novas poéticas que o processo desencadearia. O livro de Célio Turino, secretário da Cidadania Cultural do Ministério da Cultura, traz contribuição decisiva para o entendimento definitivo da proposta dos Pontos de Cultura, e mostra que é possível fazer cultura “sem dirigismo, centralismos ou caminho único”. No entanto, Ponto de Cultura é mais que uma política pública em processo de construção: é teoria política, movimento sociocultural, gestão compartilhada, trabalho em rede. São mais de 2 mil Pontos, com milhares de pessoas envolvidas em todo o território nacional, em grupos, redes, coletivos, organizações, movimentos já existentes – com presenças das culturas ancestrais, protagonismo jovem, de novas manifestações estéticas, movimentos de caráter identitário de mulheres e homossexuais, movimentos associativos e reivindicatórios, arte erudita, pesquisa em linguagens, cultura de paz. São índios fazendo filme, jovens que fazem arte, surdos no teatro. O livro delineia, com riqueza de exemplos, conceitos, poemas, depoimentos, pesquisas e dados históricos, uma poética de um Brasil “des-escondido” e “des-silenciado”, propondo um cenário do bem comum como valor da civilização.

Reflexão sociológica, história, crônica, autobiografia, literatura, indagação existencial? “Deixei meu pensamento entrar no deserto, no lugar em que só o essencial faz sentido” diz Célio. O poeta-gestor fala também em compaixão na política. O livro é um mosaico de temas e imagens. Antes de tudo, emotivo, plenamente humano, vivo.

A conclusão definitiva é aquela revelada em sua autoentrevista, quando afirma: “Eu sou um Ponto de Cultura”. Como poetiza Mário Quintana: “Tudo o que eu toco se transforma em mim”. Célio é criador e criatura. E tudo isso já é Brasil. Areté!*”.

*Em tupi, significa dia festivo; em grego, virtude, excelência.

Nos breves dias que precedem com certeza os dois maiores atos culturais brasileiros previstos para o cenário do primeiro trimestre de 2010 - 2ª Reunião Púbica Mundial da Cultura, de 26 a 29 de janeiro, em São Leopoldo-RS, integrante da programação do Fórum Social Mundial; II Conferência Nacional de Cultura, de 11 a 14 de março, em Brasília-DF -, o jornal “O Estado de São Paulo”, na edição deste domingo (17/01), publica uma matéria pejorativa sobre a II CNC, primando pela sua antecipada desqualificação, tendo como dissimulado pano de fundo uma afronta ao terceiro Plano Nacional dos Direitos Humanos, de onde os Direitos Culturais despontam como parte integrante.

A questão dos Direitos Humanos, não só no Brasil, mas em quase todo o mundo é uma questão delicada, não consensual e que causa sempre “colisão de direitos” quando colocada na agenda política de qualquer país, principalmente daqueles que passaram por regimes autoritários, e muito mais pelos que ainda guardam resquícios de história escravocrata e de dizimação de populações nativas, como é o nosso caso.

Um bom ensinamento sobre o tema nos legou o jurista e filósofo italiano Norberto Bobbio, afirmando serem os Direitos Humanos, em suas gêneses, direitos históricos, frutos de lutas e conquistas sociais e políticas, que ao longo do tempo estão sempre em construção e, às vezes, até em desconstrução, em virtude de não mais atenderem aos reclamos sociais da época, e da própria evolução das diferentes sociedades. Não são portanto naturais, ou dádiva de alguma divindade.

Sei muito bem do que falo, pois sou sócio-fundador da Sociedade Maranhense dos Direitos Humanos, que no próximo dia 12 de fevereiro completa 31 anos de existência. A simples invocação de tais direitos à época da sua fundação, no meu estado atrasado, era recebida à base da bala, literalmente, pelos jagunços, defensores dos interesses dos coronéis latifundiários. Naquele tempo, a militância em prol dos Direitos Humanos era praticamente uma sentença de morte anunciada, e muitos sucumbiram, sem que até hoje houvesse a punição ou simples reconhecimento dos responsáveis.

As conferências públicas são espaços participativos mundialmente consagrados, se constituindo, por excelência, na forma de concertação adotada pela Organização das Nações Unidas para tratar das questões de relevante interesse mundiais; como é o recente caso da Conferência de Copenhague, que pautou as questões climáticas, assim como a Conferência Mundial dos Direitos Humanos, realizada em 1993, que teve como principal resultado a Declaração de Viena, hoje tendo muitos dos seus artigos incorporados pelas Cartas Constitucionais de mais de uma centena de nações integrantes da ONU.

As conferências servem também para moldar o mais legítimo cimento da coexistência humana entre os indivíduos e comunidades, traduzido no respeito à cultura do outro, na promoção e proteção da diversidade das expressões culturais, tão bem expostos pelas palavras singelas de D. Zilda Arns, com as quais faço questão de encerrar este artigo e expressar as minhas sinceras e sentidas homenagens:


“Ao fortalecer os laços que ligam a comunidade, podemos encontrar as soluções para os graves problemas sociais que afetam as famílias pobres. A sociedade organizada pode ser protagonista de sua transformação”.

Como Militante pela Vida

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