Sábado ensolarado em Brasília. Saio pela cidade com o instinto farejador de letras e engato na primeira livraria. Viajo pelos títulos de alguns lançamentos que não me apetecem, até que a vista aterrissa numa prateleira onde todos os exemplares custam apenas R$ 7,90. Isso mesmo, sete reais e setenta centavos! Por mera curiosidade me aproximo e deparo com um título que me arrebata a atenção – “Pelas Veias da Esperança”. Começo a folhear as primeiras páginas, e nada mais me interessa ao redor. A relação que passo a manter com o conteúdo me subtrai do mundo. Trata-se do relato biográfico, se assim podemos chamar, da belíssima história de vida do cidadão Osvaldo de Alencar Rocha, fundador e primeiro presidente do Partido dos Trabalhadores no Maranhão, candidato a governador do estado em 1982, advogado militante, dedicado inteiramente à luta em defesa dos trabalhadores rurais, descrito nestes termos pelas palavras de D. Pedro Casaldáliga, na apresentação do livro: “Eu evoco a figura do Osvaldo como a de um ser excepcional, cheio de humanidade, lúcido e experimentado, lutador e terno, político conseqüente e solidário sempre. Osvaldo contagiava utopia, serviçalidade, realismo. Fazia-se amar conaturalmente e proporcionava uma cálida confiança”.
O livro é de autoria de Edimário Oliveira Machado, publicado em 2006, pela editora Novo Século-SP. O autor foi amigo de infância de Osvaldo e leal companheiro por toda a vida, até os seus últimos dias, quando sucumbiu ceifado por um câncer traiçoeiro, em junho de 2000, num leito da UTI do Hospital Neurológico em Goiânia. Edimário publica nos anexos do livro o inteiro teor de uma palestra proferida por Osvaldo em dezembro de 1989, em Miami, na Flórida, Estados Unidos da América, no XV Congresso Internacional da Latin American Studies Association - Lasa, intitulada “O Direito Encontrado na Luta”. Uma senhora aula de Direito, que deveria se tornar leitura obrigatória para todos estudantes e professores dos cursos jurídicos do país. Do referido discurso extraio dois trechos que reputo verdadeiros exemplos da profundeza de sua cultura jurídica e humanística:
“Eis, em síntese a posição que advogo: o Direito nominalmente surge na dialética social e no processo histórico, competindo ao jurista popular, comprometido com a libertação do oprimido, estar atento, para garimpá-lo no momento oportuno, no brilho de sua gema, entre as montanhas de cascalho que séculos de positivismo obscuro entulhou na lavra júris-social da humanidade”.
“Não se pode desconhecer a evolução contínua e constante da sociedade em qualquer estágio de sua cultura, e o Direito, como produto cultural que é, não se atrela a lei estática, mas à vida dinâmica e autocriadora. Nenhum Direito está feito e acabado (nada é); as coisas e as idéias se reciclam, se amoldam, em transformação criadora (tudo é, sendo). Não existe uma prateleira metafísica, onde se possa armazenar a realidade dos fenômenos naturais e sociais. A vida é um contínuo vir a ser”.
Em sua destemida luta contra as injustiças praticadas contra os trabalhadores rurais da região Araguaia/Tocantins e no território maranhense, Osvaldo foi mais do que um advogado militante. Das palavras do próprio autor expostas na introdução do livro, podemos compreender um pouco mais o significado da passagem deste generoso cidadão pelas páginas desta nossa breve estação terrena: “A história de Osvaldo Alencar é um exemplo de cidadania que não pode jamais se perder nos subterrâneos de nossa consciência coletiva. Pelo contrário, como uma força viva, eternamente questionadora, há de ser uma permanente fonte de inspiração na busca de uma sociedade mais justa e fraterna”.
Edimário nos presenteia ainda no livro com uma das mais belas peças do Direito brasileiro. Incrustada na petição judicial do processo movido pela Agropecuária Gurupi Ltda., contra o posseiro Domingos do Espírito Santo, no dia 29 de maio de 1985. Nesta petição, o advogado militante vai além da letra fria do linguajar jurídico-formal e se revela um espirituoso poeta do direito, em defesa do povo pobre e sofrido do Maranhão, atingido pelo flagelo do latifúndio:
“Meritíssimo doutor Juiz,
com referência aos autos epigrafados,
onde Domingos da Cruz do Espírito Santo,
o Domingos lavrador que já não lavra,
figura como réu, requerido e intransigente
por não aceitar o jugo do mais forte,
brocou na terra sua pobre roçae dormiu para sempre no canto do roçado.
Domingos que não sendo único chega a ser plural,
viveu e morreu sob o signo da Cruz do Espírito Santo.
Hoje é mártir da terra a conquistar,
tombou sob as balas dos capangas...
E a Justiça que é cega, e quando manda,
é mais pra mulher de Putifar e nada salomônica,
continua a intimá-lo a prestar contas
no tribunal onde moram a empáfia, a indiferença
e para julgar os atos de Domingos,
já não tem nenhuma competência.
Assim sendo, de Domingos o mandato renuncio.
E já não precisa mais notificá-lopois estando perante outro juízo,
Vossa Excelência não pode condená-lo.
Quanto à empresa autora, requerente, grileira
e malfeitora, como seu advogado mercenário,
que mataram Domingos e seu cavalo
que vivam no inferno eternamente!...“.
Finalizo o artigo desta 2ª feira com um lembrete aos petistas do Maranhão, que não poderia chegar em momento mais oportuno, na véspera do Congresso do Partido, momento em que muitas deliberações políticas decisivas serão tomadas. O lembrete tem sua origem na resposta equilibrada e firme que Osvaldo deu no dia 5 de junho de 1995 em entrevista ao Diário da Manhã, de Goiás, avaliando o processo eleitoral em que sua chapa saiu derrotada na disputa para o Diretório do PT de Goiânia:
“...após as eleições de ontem, o partido não sai dividido e também se esvazia a possibilidade de ele fechar alianças com siglas de direita. O balanço possível de se fazer, nesse momento, é que o PT saiu unido, apesar de terem participado três chapas, e que a proposta de alguns setores do partido em firmar aliança com a direita não vai vingar”.
Espero, sinceramente, que nós, filiados do Partido dos Trabalhadores do Maranhão, estejamos à altura da honradez e do exemplo de vida do companheiro Osvaldo, e façamos da obediência às suas palavras uma merecida homenagem a sua digníssima memória.
Como militante do Partido dos Trabalhadores
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