quarta-feira, 19 de agosto de 2009

O QUE DIRIA CÍCERO?


Com José Reinaldo Tavares

Frei Betto, que foi assessor especial da Presidência da República no começo do governo Lula, desencantou-se quando este, depois da história do mensalão, achou que só podia governar unindo-se aos coronéis mais atrasados do nordeste e do país. Foi demais e o Frei pediu para sair... Não queria – e com razão – essa contaminadora companhia.

Recentemente escreveu um artigo, cuja publicação foi feita pela Folha de S. Paulo no último domingo. O artigo, muito inspirado, veio sob o título “Catilina abusa de nossa paciência”. Vejamos:

“Até quando, ó Catilina, abusarás da nossa paciência”? - indagou Marco Túlio Cícero ao senador Lúcio Sérgio Catilina, a 8 de novembro de 63 a.C., em Roma. Flagrado em atitudes criminosas, Catilina se recusa a renunciar ao mandato.

Cícero, orador emérito, respeitado por sua conduta ética na política e na vida pessoal, pôs em sua boca a indignação popular: “Por quanto tempo ainda há de zombar de nós essa tua loucura? A que extremos se há de precipitar a tua audácia sem freio? Nem a guarda do Palatino, nem a ronda noturna da cidade, nem os temores do povo, nem a afluência de todos os homens de bem, nem este local tão bem protegido para reunião do Senado, nem o olhar e o aspecto destes senadores, nada disso conseguiu perturbar-te? Não sentes que os teus planos estão à vista de todos”?…

“Ó tempos, ó costumes!”, exclamou Cícero, movido por atormentada perplexidade diante da insensibilidade do acusado… “Que há, pois, ó Catilina, que ainda agora possas esperar, se nem a noite, com suas trevas, pode manter ocultos os teus criminosos conluios; nem uma casa particular pode conter, com suas paredes, os segredos da tua conspiração; se tudo vem à luz do dia, se tudo irrompe em público”?

Jurista, Cícero se esforçou para que Catilina admitisse os seus graves erros: “É tempo, acredita-me, de mudares essas disposições; desiste das chacinas e dos incêndios. Estás apanhado por todos os lados. Todos os teus planos são para nós mais claros que a luz do dia”...

Se Catilina permanecia no Senado, não era apenas a vontade própria que o sustentava, mas, sobretudo, a cumplicidade dos que teriam a perder, com a renúncia dele, proveitos políticos. Daí a exclamação de Cícero: “Em que país do mundo estamos nós, afinal? Que governo é o nosso”?
Catilina fingia não se dar conta da gravidade da situação. Fazia ouvidos moucos, jurava inocência, agarrava-se doentiamente a seu mandato…
(...)

Cícero não demonstrava esperança de que seu libelo fosse ouvido: “Mas de que servem as minhas palavras? A ti, como pode alguma coisa fazer-te dobrar? Tu, como poderás algum dia corrigir-te?”. E não poupou os políticos que, apesar de tudo, apoiavam Catilina: “Há, todavia, nesta ordem de senadores, alguns que ou não vêem aquilo que nos ameaça ou fingem ignorar aquilo que vêem”.

Acuado, Catilina se refugiou na Etrúria e morreu em 62 a.C. Cícero, afastado do Senado por Júlio César, foi assassinado em 43 a.C. Um século depois, Calígula, desgostoso com o Senado, nomearia senador seu cavalo Incitatus, com direito a 18 assessores, um colar de pedras preciosas, mantas de cor púrpura e uma estátua, em tamanho real, de mármore com pedestal em marfim.

É claro que o Frei Betto, ao reviver a história romana, estava olhando para o Brasil, especificamente para Sarney, que, ao mesmo tempo que desce a nível moral nunca conhecido por outro ex-presidente da República, realiza que o faz arrastando consigo a imagem do Senado e dos políticos brasileiros.

E a instituição desce ao inferno no julgamento da opinião pública, porque não consegue se livrar de Sarney, que, como Catilina, não admite renunciar. E o faz, frise-se, contra a vontade dos brasileiros, conforme pesquisa do DataFolha publicada domingo.

De acordo com a consulta, 78% da população foi informada do caso envolvendo Sarney. Destes, 74% querem o seu afastamento. Quase a unanimidade! O presidente do Senado está passando de “coronel” a kamikaze. Será que Catilina reencarnou nele?

E mais: por um lado, vem à tona agora que empresas offshore, sediadas em paraísos fiscais, investem na Fundação que leva seu nome. Que inusitado! Por outro, descobre-se que familiares moram em apartamentos comprados por empreiteiros que trabalham para o Ministério de Minas e Energia. Outra grande coincidência, não acham?

Ouve-se dizer agora, também, que no começo do ano um certo diretor do Senado, informou a Sarney sobre os atos secretos, os mesmos atos que este, recentemente, disse nunca ter ouvido falar. De onde provém tanto esquecimento?

Tudo isso cobre o Maranhão de vergonha, culpado de manter no poder a família Sarney por tanto tempo. Sim, porque o julgamento do Brasil sobre o Maranhão é severo, e então, automaticamente, passamos a ser repositório de todo o tipo de insultos e de brincadeiras como uma terrível menção aos senadores do estado em esquete apresentado na última edição do humorístico Casseta e Planeta, da Rede Globo. Passamos por indolentes, desfribados, abjetos, acomodados, medrosos e culpados pelos mal-feitos de Sarney e da família, tão exaustivamente mostrados na mídia... Nunca uma família ou uma pessoa causou tanto mal ao nosso estado, tanta vergonha. Lamentável.

Só há uma maneira de mostrar que o povo do Maranhão é digno, altaneiro e forte. Em 2010, vamos mostrar ao Brasil, pelo voto, que também não aceitamos mais os Sarney! Nem aqui, nem no Amapá, nem em qualquer lugar.

E, para terminar, o ministro do TSE, Carlos Ayres de Britto, que no julgamento do governador Jackson Lago demonstrou muito querer cassá-lo, surpreendeu a todos ao reabrir o processo de cassação. Quase nunca acontece isso, mas aconteceu. Ele acolheu reclamação do ex-ministro Rezek e mandou o processo ao Supremo Tribunal Federal para decidir sobre duas questões: a primeira consiste no questionamento se o TSE pode anular todos os votos dados a um governador eleito pelo povo, (principalmente em uma confusa sessão em que, embora dois ministros tenham dito não ver ali nada de errado, assomou a contestada decisão de 4 x 3 votos que cassou o governador eleito). Isso sem falar no agravante que consiste no fato do prejudicado não poder recorrer, como de resto ocorre sempre na justiça comum.

A segunda questão diz respeito à dúvida que recaiu quando, decidido pela cassação, porque o TSE não cumpriu as Constituições do Brasil e do Maranhão, que, em caso de vacância do cargo, manda fazer nova eleição direta, se a decisão ocorrer nos dois primeiros anos do governo e indireta nos últimos dois anos. Por este questionamento, será revista assim a decisão, por todos criticada, de dar o governo a quem perdeu as eleições.

Cumpre-nos então informá-los, caríssimos leitores, que, se antes a atual governadora do Maranhão já era ilegítima, agora está também sub judice, escancarando a terrível precariedade desse governo biônico.

É bom colocar as “barbas” (e bigodes, naturalmente) de molho...

O ex-governador José Reinaldo Tavares escreve para o Jornal Pequeno às terças-feiras

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